quinta-feira, 9 de maio de 2013

Entrevista com Roberta Estrela D'Alva




Meu contato com o trabalho de Roberta Estrela D’Alva se deu há praticamente um ano, quando havia chegado com grande antecedência e aguardava o início de um show no SESC Bom Retiro. Porém, o tempo que me sobrava pareceu pouco quando fui tomado por um evento extraordinário, pois era domingo e ele geralmente ocorre às segundas quintas-feiras de todo mês, do Zona Autônoma da Palavra - ZAP!, que acontecia na área central do prédio. Descobri tratar-se de um poetry slam, um concurso de poesia com influências do Rap e do Hip-Hop trazido ao Brasil pelo Núcleo Bartolomeu de Depoimentos (que, além de Roberta, tem como membros o DJ Eugênio Lima, Luaa Gababini, e Claudia Schapira), em que participantes de múltiplas proveniências que se inscrevem pouco antes do evento ocupam o palco em diversas rodadas para declamar suas criações que são avaliadas por um júri popular. Ela não apenas comanda a competição, como é poetisa e foi premiada com o terceiro lugar na Copa do Mundo de Slams, que aconteceu em Paris em 2012. Embora, além da poesia, seja envolvida com a dança, a música, e até a moda, ela se denomina atriz-MC, especialidades que lhe renderam o prêmio Shell de Melhor Atriz em 2012 pelo espetáculo “Orfeu mestiço – Uma Hip-hópera brasileira”, a primeira do gênero realizada no país. E que grande mestre de cerimônias! Sua energia, junto à música negra que o DJ Eugênio Lima toca, é contagiante... Impossível não se envolver e querer subir ao palco para poetizar as próprias palavras ou de outrem, como é possível em todo ZAP!, na uma hora em que o microfone é liberado, ou na competição que acontece em seguida, somente para textos autorais. Roberta Estrela D’Alva é Mestre em Comunicação e Semiótica, mas acredita que os verdadeiros Mestres são os da escola da vida. E certamente ela merece tal honra pelos treze anos de trabalho que vem realizando junto ao Núcleo Bartolomeu de Depoimentos e os que ainda virão. Hoje é dia de ZAP!, vamos lá? O evento ocorre às 20 horas na sede do grupo, que fica na rua Dr. Augusto de Miranda, 786, Pompéia. Os créditos das imagens da artista seguem ao final da entrevista.

1. Quais os primeiros contatos que você se lembra de ter tido com a arte como espectador(a)?

Isso depende do que a gente considera arte, né? Eu tive uma avó que era uma artista nata, a dona Rosa. Ela fazia cabeças de areia na beira do mar, construía castelos, pontes. Ficar olhando aquilo, desde o começo, aquele monte de areia que ia pacientemente tomando forma, era lindo, era o êxtase pra uma menina pequena. E ela fazia cantando. Muitos artesãos fazem isso, né? Trabalham cantando, “fecundando o ato criativo”, como diria o Paul Zumthor. Tinha meu pai também, com o violão. Tocava Jorge Ben, Alceu Valença, Roberto Carlos e a gente ficava tudo ali em volta vendo, escutando e aprendendo. E tinha os discos também, aquela coisa não só da música, mas do vinil, da capa que é arte também. Acho que foram esses meus primeiros contatos. Eu  também fiz  ballet desde muito pequenina e lembro o fascínio que era ver as bailarinas mais velhas ensaiando, as que dançavam com bailarinos principalmente porque elas voavam. E teve o “Thriller” também... em 84 eu tinha 5 anos e lembro nitidamente do impacto daquilo, daquela música, daquela dança, do videoclipe. Aquela força que o Michael representava e trazia é uma memória muito forte.

2. Qual a sua formação?

Embora eu também faça trabalhos com música, dança e poesia, hoje eu digo que sou atriz–MC quanto tenho que preencher fichas por aí. (risos) Uma mistura de porta voz do teatro com porta voz do hip-hop.  Acho que tem duas linhas aí pra falar de formação. Na da formação “acadêmica” fiz escola de artes cênicas e tenho bacharelado em interpretação pela Escola de Comunicações e Artes da USP, e recentemente voltei pra “acadimia”, defendi um mestrado na Comunicação e Semiótica da PUC. Mas acho meio engraçado esse negócio de “mestre”. Mestre pra mim é tipo o Mestre Irineu, a Tiche Vianna, meu pai que deu a volta ao mundo com 62 anos nas costas... umas pessoas que tem mais horas-palco, horas-voo, sabe? A outra linha é a das coisas que se aprendem na rua mesmo, sozinho, no auto didatismo, na transmissão oral de um pra outro,  na “school of hard knocks”,  a ginga,  o hip-hop. E não só isso, tem uma rede de conhecimentos estéticos, musicais, filosóficos que só a rua dá. É a “malícia do selviço” como dizia o seu Manoel, um pedreiro que trabalhou aqui em casa. (risos) Pouca gente sabe, mas quando eu tinha uns 18 anos eu trabalhei de go-go dancer. A gente era dançarina mesmo, não era stripper, dançava de roupa e tudo mais. Tinha mesmo que saber dançar bem e aguentar dançar até duas horas seguidas sem parar. Era a chegada forte do techno nos clubs em São Paulo, aquela cena clubber no B.A.S.E, no Floresta, no Tango Tango – e a gente dançava pra animar a pista. Eu cheguei a dançar em festas em Goiânia pra 4000 pessoas, lá no alto de um praticável. Foi uma experiência muito forte essa de trabalhar na night, lidar com essa exposição, tendo que lidar com as coisas que acontecem nesses ambientes. Isso dá um jogo de cintura e um “requebra” que eu nem te conto... (risos)

3. Quando e como lhe ocorreu ser artista? Houve um momento no qual esta foi uma intenção clara ou foi algo que aconteceu?

Eu sempre quis isso. Eu sempre tive uma necessidade de me expressar cantando, dançando, fazendo cena, me jogando e me estatelando no chão fazendo drama desde pequena. Essa intensidade chegava ser insuportável, pra mim e pros outros, coitada da minha mãe! (risos) O teatro é um alívio pra gente que é assim. Essa possibilidade de adentrar os portais da emoção, da representação com um fim definido. Acho que você para de “atuar” na vida e joga toda essa necessidade de expressão, essa angústia, essa alegria, essa sensualidade no palco, a serviço da cena. A arte é realmente uma bênção pra pessoas hiperexpressivas.

4. Você pode nos contar um pouco da sua carreira?

Eu comecei na escola e tive a sorte de ter um professor muito legal na época, que se chama Jaime Celiberto, um cara que me apresentou Brecht, música clássica, que achava realmente que o ator tinha que em primeiro lugar exercitar a inteligência, ser informado, ler. Foi uma sorte. Nessa época também eu escrevia na escola. Tinha um jornal e eu era uma das editoras, escrevi peças, músicas, tudo ali, do tamanho de uma menina de 11, 12 anos, mas tudo muito importante pra minha formação. Eu fazia colegial normal e junto um curso técnico de magistério. Queria ser professora. E é engraçado que de alguma maneira eu sou hoje porque vira e mexe eu tô dando aula de alguma coisa. Daí eu entrei na USP e fiz a escola de artes cênicas. Tenho grandes amigos dessa época até hoje. Foi o que mais valeu a pena. Isso, e ter trabalhado com a Tiche Vianna, que além de ter ensinado a Commedia del Arte, foi uma pessoa muito importante porque nos ensinou sobre a função social do ator, dessa profissão. Daí eu saí da USP e fiquei meio desiludida porque eu olhava as companhias e não sentia vontade de trabalhar em nenhuma delas. Não que elas fossem me chamar, mas não tinha nenhum tipo de teatro com o qual eu me identificasse. Até que a Luaa Gababini, com quem eu fazia umas performances num bar pra ganhar um troco, me disse um dia que estava num trabalho incrível com a Claudia Schapira, o DJ Eugênio Lima, e um grafiteiro, que era o Julio Dojcsar, no qual se misturava teatro com hip-hop... E eu “Quê?!? Teatro com hip-hop?!? Eu quero agora!”. Eu estava muito envolvida com a cultura hip-hop por conta do espetáculo que tinha feito com a Tiche Vianna na USP, tava frequentando a “noite black”, ouvindo rap pra caramba, era um sonho aquilo. Daí uma semana depois eles precisaram de uma atriz e eu fui lá fazer um “teste”. Isso foi no ano 2000 e desde então há 13 anos o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos que é a minha companhia vem desenvolvendo a linguagem que a gente chama “teatro-hip-hop”. Disso daí foram surgindo os “braços” e fui me interessando por outras coisas também, como é o caso dos poetry slams, batalhas de poesia falada que acontecem no mundo inteiro e que chegaram no Brasil pelas nossas mãos.

5. Quais artistas lhe influenciaram?

Vixe, muita coisa a gente vai comendo, sampleando pelo caminho, né? O Michael (Jackson) é um que não tem quem tenha vivido nos anos 80 e não tenha sido influenciado por ele. O Jorge Ben por causa do meu pai tocando. O Caetano. Teve uma época que eu e minha irmã ouvíamos muito reggae, Bob Marley, Ziggy, Alpha Blondie, UB40, Pato Banton... Teve um negócio na escola que foi divisor de águas pra mim – o Macunaíma, do Mario de Andrade, aquele jeito de escrever, aquele ritmo, foi uma influência muito positiva pro meu jeito de ver as coisas. Teve o mesmo impacto de quando mais velha li o Guimarães, o Grande Sertão! Foi uma época em que isso veio, junto com o Be Bop do Charlie Parker e os textos dos beatniks, o Jack Kerouak... Isso rachou o coco! Ah... Racionais MCs, né... Isso daí é uma ciência, uma paulada na cabeça a primeira vez que você escuta, e as outras também. (risos) O Mano Brown é ídolo máximo. Quem é fã é fã apaixonado. Acho que ele também se enquadra na categoria de mestre que eu falei na outra pergunta. O personagem mais marcante que eu fiz na minha vida, o príncipe Segismundo da Vida é Sonho, era inspirado nele. Racionais é influência 100%, depois deles tudo mudou. Pô, também o Spike Lee, o Kurosawa, o Nabokov, o Brecht, Shakespeare, são tantos... Dos mais de agora, tem o Saul Williams que é um cara que vem dessa cultura dos slams, a Fiona Apple que é uma cantora que que escutei muito... Ceumar, Red Hot Chilli Peppers! Escutei muuuiiiito também. E as coisas mais ligadas ao Hip-Hop, rap nacional e internacional dos anos 90, Arrested Development, rock, e as coisas mais pop Madonna, George Michael, toda a cena nacional do 80’s Legião, Ultraje a rigor...

6. Quando passou a se considerar profissional?

Acho que quando comecei a viver do meu trabalho. Quando  começamos a ter um espaço, a pesquisar periodicamente , a fazer espetáculos pelo Brasil e pelo mundo. Nós fizemos uma turnê de dois meses com o “Acordei que sonhava” pelo sul e nordeste do país. Isso daí dá uma força sem igual pra um ator, pra um artista. Depois mais um mês na Espanha. Você ser recebido por públicos diferentes do que está acostumada te faz crescer muito também nessa profissão. Te faz ter que se reinventar. É maravilhoso.

7. Qual era a ideia que você tinha da profissão antes de exercê-la?

No começo, quando eu era muito jovem, acho que tinha um deslumbre com a coisa da televisão. É muito forte essa cultura da novela no Brasil. Então tem um certo fetiche com isso, a novela das oito e tal... Daí teve uma fase radical depois que  entrei no Núcleo Bartolomeu. Teve até uma fase “televisão- nunca-nem-pensar”. Hoje já há equilibro maior nesse pensamento. Com o tempo você vai entendendo que o lance é o que você tem pra dizer. E conta muito com quem você vai trabalhar, é toda uma rede e os motivos pelos quais você faz isso ou aquilo são tão diversos, tão ligados ao momento pelo qual passamos, as motivações são tão internas e de cada um, que não dá pra julgar.

8. Qual é a ideia que você tem da profissão hoje que a exerce?

Ser artista, o ofício da arte como profissão é uma coisa muito intensa. Não que outras profissões não sejam, imagina ser médico, parteira, fazer nascer criança, por exemplo? É uma loucura. Mas acho que tem profissões que é aquilo: tem a hora do trabalho quando cê tá lá na “firma”, no consultório, no salão de cabelereiro e acabou, acabou, o fim de semana não tem nada a ver com aquilo mais. Acho que a intensidade da pesquisa na arte, da busca incessante por referências, respostas, a observação cotidiana das pessoas, da cidade não para nunca. Eu não sei, mas pra mim, e acho que pra maioria dos artistas, a arte e a vida andam muito misturadas, não tem muita separação. O que às vezes sinto que é até demais porque é bom pra cabeça dar um tempinho também. (risos)

9. Como é o seu dia de trabalho?

Na verdade, cada dia é um dia porque os horários são muito loucos. Não tem como acordar às 6 da manhã se você ensaia até às 3 da madrugada, por exemplo. Mas geralmente eu durmo tarde e acordo cedo. Muitas das coisas que escrevo e pesquiso são durante a noite.  De manhã eu acordo, faço umas saudações ao sol, medito um pouco e quando tô bem disciplinada faço exercício de voz. Daí vou ver email, essas paradas, e sempre é aquela demanda sem fim porque a gente ainda cuida de muitas coisas que não é só da área da cena, mas demandas financeiras da companhia, escreve projetos, corre atrás de grana. E vou pra sede do Núcleo, ou ensaiar ou fazer reunião. Mano, como a gente faz reunião nessa vida! (risos) E aí tem os livros pra ler, as coisas pra pesquisar, o ZAP! pra produzir e apresentar, as viagens de trabalho, os convites pra participar de outros projetos, gravações, entrevistas... Enfim, é tudo muito dinâmico.

10. Seu trabalho foi beneficiado com a internet e as redes sociais? Como?

Ah sim... Ele consegue chegar em muito mais pessoas. Alguma conexões que fiz, só foram possíveis por conta da rede. Por exemplo, há um tempo atrás o Emicida me chamou pra abrir o show de lançamento do disco dele por conta de ter visto no twitter um vídeo da minha participação na Copa do Mundo de Slam, em Paris. E muita gente que nem sabia quem eu era teve acesso ao meu trabalho, e ao trabalho do Núcleo pelas redes sociais também.

11. É possível pagar as contas tendo a arte como ofício? Como você faz?

Oscila muito. Isso é um ponto crítico. Até então deu pra viver, no Bartolomeu e nos trabalhos que faço independentes, com épocas melhores outras piores. Dá pra viver, mas a instabilidade é um negócio que desgasta muito, principalmente quando se tem um espaço e funcionários no final do mês, como é o nosso caso. Esse é um assunto que esse ano tem estado direto na pauta do Bartolomeu: como sair da “sobrevivência” e do risco e conseguir uma mínima estabilidade digna pra podermos criar e viver em paz e prosperidade.

12. Como você acredita que será o futuro da sua profissão?

Nossa! Eu espero realmente que eu esteja conseguindo realizar os projetos, tanto os do Núcleo Bartolomeu, quanto os meus pessoais . Eu tenho vários na gaveta, um monte de ideias, vontades. Mas falta tempo pra realizar. Esse é um lance que eu tenho estado mais atenta, como atuo em muitas áreas, teatro, música, hip-hop, a escrita, educação, o slam, há que se prestar atenção no que é prioridade no momento pra não se perder. E ver também o que o momento está pedindo, pois as coisas fluem muito melhor quando são mais orgânicas, quando estão sincronizadas com o que o momento está pedindo historicamente e pessoalmente. Tenho vontade de trabalhar com certos artistas que admiro também. Espero conseguir realizar esses sonhos muito em breve!

13. Fale sobre o que você gostaria do seu trabalho, mas nunca lhe perguntam.

Olha, de fato eu sempre dou um jeito de falar o que eu quero sobre o meu trabalho. (risos) Acho que gostaria de falar que sou muito feliz por ter a sorte de poder utilizar meus dons  tão plenamente na arte e também nessa linguagem que é o teatro  hip-hop. Esse foi um lance que criamos e tem me aberto muitas oportunidades em várias áreas relacionadas e que, além do teatro, me traz a sorte de trabalhar diretamente com a cultura hip hop, uma das paixões da minha vida!

Créditos das imagens utilizadas no mural (em sentido horário):

Imagem 01 - Marcio Scavone

Imagem 02 - Divulgação
Imagem 03 – Manu Costa
Imagem 04 - Tatiana Lohmman
Imagem 05 - Tathy Yazigi
Imagem 06 - Peetsa
Imagem 07 - Tathy Yazigi
Imagem 08 - Serguei
Imagem 09 - Aquiles
Imagem 10 - Fernando Mume

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