quinta-feira, 23 de maio de 2013

Entrevista com João Sebastião Barros


João Sebastião Barros é um artista matogrossense que há quarenta anos imprime nas telas que pincela o Brasil dos rios e das chalanas, das religiões e dos santos, dos animais e dos homens. Sobretudo, o Brasil da onça-pintada e do caju – signos que permeiam a sua criação e lhe são característicos. Nesta entrevista, a escolha destes símbolos sugere uma ligação íntima à memória afetiva das esculturas que sua mãe preparava em ocasiões especiais, na qual retratava os elementos de sua vivência cotidiana em Coxipó da Ponte, onde moravam. Por outro lado, é revelada a identificação pela busca de uma brasilidade estética da primeira fase do modernismo no Brasil, especialmente na influência que tem do trabalho de Tarsila do Amaral. Mas engana-se quem pensa que seu olhar restringe-se ao regionalismo expresso em suas obras. O caminho do ofício de João Sebastião é inerente à sua vida e transita pela admiração à arte surrealista, ao realismo mágico, à Pop art, e tudo que lhe seja novo. “Eu pinto em função de um conteúdo ou um conceito que tenho assimilado aqui e ali. E assim eu vou caminhando na Arte”, ele diz. Acima de tudo, traduzindo-se nas obras que produz. O mural acima é composto por obras de João Sebastião Barros.

1. Quais os primeiros contatos que você se lembra de ter tido com a arte como espectador(a)?

Vim ao mundo em 1949, puxado pelos pés. Devo tudo à minha Mãe. O fator primordial, básico, o primeiro contato em si, ocorreu em casa, pois a minha mãe, dona Alexandra Barros da Costa, era artista inata. Mamãe dedicava-se a fazer, com arte, as figuras natalinas para comporem, ou ornamentarem, o nosso presépio. Nessa época ainda não se encontravam figuras em gesso. Além das peças tradicionais da liturgia católica, cristã, como Nossa Senhora, São José, Os Três Reis Magos, ela agregava os elementos da cultura pantaneira, como touros, cobras, burros, jacarés, jabutis, os quais serviam para enriquecer, regionalizar ou caracterizar as figuras da nossa realidade brasileira-matogrossense. Sobretudo, o mais interessante é que ela modelava em barro cru as figuras características da localidade do Coxipó da Ponte – lugar pequeno onde morávamos. Fazia parte do presépio a figura do açougueiro, a mulher socando pilão, o casal de namorados sentados no banco da praça, o guarda civil, a lavadeira com a bacia na cabeça. Personagens do nosso dia-a-dia! Também as pessoas proeminentes que habitavam aquele lugar mágico onde todos se conheciam eram retratadas naquele grande palco. Os nossos vizinhos reconheciam-se. Daí origina-se a minha capacidade de apreender com facilidade tudo aquilo que é característico, genuíno, assim como os elementos inerentes nas coisas – o que está ligado à expressão cultural de um grupo social. Isto eu aprendi em casa, diante da figuração do presépio feito pelas mãos hábeis da minha saudosa mãe. Eu tinha seis anos de idade quando pedi à minha mãe a sua permissão para que pudesse ajudá-la a pintar as suas figuras de barro cru – com as cores que se encontravam nas suas latinhas de esmalte. Ela permitiu. A partir daquele momento nunca mais fiz outra coisa na vida além de pintar. Nosso presépio era visitado pelas pessoas que moravam naquela localidade. Coxipó da Ponte era uma aldeia naquela época, hoje é um dos maiores bairros de Cuiabá. A mamãe fazia estas proezas desde o seu tempo de menina. Acredito que ela tenha sido contemporânea do Mestre Vitalino. Mamãe nasceu em 1915, além de ser uma boa dona de casa, fazia bonecas de pano, costurava pra casa. Fazia as minhas camisas e as roupas das minhas irmãs. Ela era prestimosa. Mulher linda, generosa e nobre. Herdei dela o seu jeito doce e gentil com as pessoas. Sou um homem delicado, no andar, no falar, e no tratamento com quem me trata bem. Sou trabalhado na Arte desde os seis anos. Depois vieram os lápis de cor, e aos dez anos eu já fazia aquarela. Aos doze eu já era um pequeno artista, e desfrutava do meu atelier no fundo do meu quintal, debaixo de um pé de mangueira. Aos treze anos meu pai, João Francisco da Costa, permitiu que eu me dedicasse a essa vocação, sendo que, para isso, não poderia contar com ele. E até hoje eu me viro para manter meu ideal de ser um Pintor, hoje um Artista Plástico. Outro fator que pesou muito foi o pessoal. Está adstrito ao meu perfil e é secreto. É, portanto, o condimento, o tempero alquímico e necessário às composições metafísicas, ou alegóricas do meu sentir e pensar Arte!

2. Qual a sua formação?

Eu sou autodidata. Não concluí a minha formação acadêmica. Tenho apenas o segundo grau. Creio e pratico a Ciência do autoconhecimento. Entretanto, quando eu estava com quatorze anos, procurei o auxílio de uma professora de pintura, pois me fora despertada a vontade de fazer pintura a óleo. Com a professora Bartira de Mendonça aprendi a técnica de como desenvolver esta Arte. Não foi difícil alcançar êxito, pois sempre fui bom em desenhar qualquer coisa visível e também elementos de imaginação.

3. Quando e como lhe ocorreu ser artista? Houve um momento no qual esta foi uma intenção clara ou foi algo que aconteceu?

A partir do momento em que já pintava cópias, como retratos, casarios, paisagens. Sobretudo através da leitura especializada. Sempre gostei de ler. Com esse procedimento precoce, encontrei o conhecimento da então chamada Arte Moderna, através da revista O Cruzeiro e Manchete. Através dessas revistas, tomei conhecimento da obra de Tarsila do Amaral, de Portinari, do Ismael Nery, e de outros. Fiquei convencido da possibilidade de expandir minha consciência de adolescente, mas que precisava sair urgente de Cuiabá e rumar para a cidade do Rio de Janeiro – onde eu tinha parentes em Niterói. Saí de Cuiabá com a idade de 16 anos, assim que terminei meu curso ginasial.

4. Você pode nos contar um pouco da sua carreira?

Cheguei ao Rio de Janeiro em 1967, e fui procurar com um amigo de um amigo que poderia me hospedar. O cara morava no Flamengo, mas ao me vir ele me deu o fora. Assustou-se com a minha figura. Eu era cabeludo! Fui baixar em Niterói e pedir asilo na casa de parentes. Nessa época eu usava os cabelos bem compridos. De imediato, o meu primo, católico, me levou ao barbeiro e mandou cortar a minha vasta cabeleira. Essa era a condição para que eu permanecesse morando com eles, que moravam a duas quadras da Praia de Icaraí. Imagine só a beleza do lugar, tendo a frente a paisagem do Rio de Janeiro, no lado oposto. Minha figura física fora mudada para agradar aos parentes. Isso não me custou nada, pois eu continuava um jovem bonito, cheio de vontade de aprender coisas novas. Dei início à minha carreia na cidade do Rio de Janeiro. Visitava os museus, as primeiras galerias, a Academia de Belas Artes, as exposições, lia os jornais e as revistas. E sempre a buscar um caminho particular que demonstrasse a ousadia que viria a configurar o meu perfil, mais chegado a tudo que é novo. Avançado. Arrojado. A coerência é uma ciência, a qual me acompanha até hoje.

5. Quais artistas lhe influenciaram?

Tarsila do Amaral foi, e continua sendo, uma das musas inspiradoras. Ismael Nery eu amo até hoje. Porém, esta influência dava-se no campo espiritual. Eu sempre procurei me formar, numa visão aproximada aos artistas brasileiros, entretanto, o espanhol Pablo Picasso até hoje me deslumbra pela sua inteligência artística e os seus belos conceitos plásticos. Tenho admiração pela arte surrealista, onírica, pelo realismo mágico. Acredito que eu seja um eclético nessa área, pois não temo o novo. Gosto da Pop art, enfim, a fila anda e eu me renovo sempre. Gosto de ousar nos conceitos. Eu pinto em função de um conteúdo ou um conceito que tenho assimilado aqui e ali. E assim eu vou caminhando na Arte!

6. Quando passou a se considerar profissional?

Passei a me considerar um profissional, a partir da chegada dos prêmios de caráter nacional. Consegui colecionar seis deles, dentre os quais o Prêmio de Viagem no País, Salão Nacional, Funarte, no Rio de Janeiro em 1981! Tenho orgulho desse fato. Uma boa premiação fortalece o artista e dá sustentação à sua obra!

7. Qual era a ideia que você tinha da profissão antes de exercê-la?

Eu levava a vida de um esforçado admirador da Arte. Eu curtia e criava elementos novos de um dia pro outro, sempre baseado num conceito formulado dentro da minha pessoa. Jamais fiz algo copiando ou fazendo releitura de outro artista. Nesse sentido, eu causava ódio ou amor, simpatia ou antipatia, pois sempre fora uma pessoa cheia de si. Um ser insuportável. Até hoje eu sou assim. Um ser solitário. Um navegante.

8. Qual é a ideia que você tem da profissão hoje que a exerce?

Tenho a melhor impressão, pois eu venci na minha cidade, no meu país. Meu curriculum é bem extenso. Trabalhei muito por mim mesmo e pela arte do meu estado, Mato Grosso! Tenho um estilo próprio. Uma identidade de caráter autoral. Mas a rejeição pela minha pessoa, esta ainda me acompanha. Entretanto eu supero todas elas, e isto até me motiva a estabelecer novos conceitos plásticos!

9. Como é o seu dia de trabalho?

Eu trabalho à noite e durmo durante o dia.

10. Seu trabalho foi beneficiado com a internet e as redes sociais? Como?

Acredito que sim, pois a coisa rola mais rapidamente. Eu já era conhecido em vários lugares do Brasil por pessoas de todos os níveis sociais e culturais. Gente que eu nunca vi me escreve. Minha página no Facebook parece um "poleiro das almas" em nível de abertura. Gente de todos os níveis e intenções posta coisas boas e até ruins, mas eu sou aberto e democrático. Assimilo todos e todas as proposições.

11. É possível pagar as contas tendo a arte como ofício? Como você faz?

É possível, pois a fila anda e meu trabalho é carismático, pega geral. Homens, mulheres, jovens. Gente rica, classe média. Intelectuais, e até gente simples. Minha obra tem uma energia advinda do Universo feminino. É bem forte.

12. Como você acredita que será o futuro da sua profissão?

Acredito que meu trabalho está bem alicerçado, pois há quarenta anos eu mantenho e reformulo esta temática inspirada e conceituada num felino, chamado ONÇA-PINTADA. Minha obra tem função, aspecto e caráter autoral. Isto me facilita a desenvolvê-la. E me faz, cada vez mais, expandir a minha consciência. Acredito e creio nela porque sou dedicado, obstinado, insuportável nessa trajetória, nessa busca por uma visão plástica brasileira.

13. Fale sobre o que você gostaria do seu trabalho, mas nunca lhe perguntam.

Nunca me perguntaram como eu defino o meu trabalho. Ele levou quarenta anos para dar o resultado esperado e almejado, dentro das minhas próprias expectativas e possibilidades como artista brasileiro. Através dele eu me projeto como um pensador, antes mesmo de ser o artista, o pintor. Esta é a parte que mais aprecio como pessoa inteligente. Como Artista. Tenho autonomia. Posso deliberar com personalidade própria. Isso é muito importante ao exercício desta Arte tão formidável. Gosto de sentir que posso alcançar lares, pessoas de alto nível. Da elite intelectualizada. Fazer parte integrante da herança, da convivência das famílias. Não espero nada das instituições, pois eu me viro desde pequeno e só posso contar comigo mesmo. Sou um ser solitário e, dessa fonte, transmigro as fronteiras do espírito, e atravesso os universos da imaginação, da fantasia, da utopia... Sou um ser privilegiado. Vivo num espírito de liberdade, cujo modelo está pautado na percepção de uma Arte pura, contemporânea, sobretudo brasileira. O modelo sou eu!

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