quarta-feira, 12 de junho de 2013

Entrevista com Carmen Watson

Poucas coisas são tão comoventes quanto se deparar com alguma manifestação artística que te toma os sentidos sem qualquer conhecimento prévio sobre o seu criador ou a criação em si. Tratam-se de encontros cada vez mais raros, dado que costumamos não nos permitir ir a qualquer evento cultural, ver ou ouvir alguma obra sem o crivo de um amigo, crítico ou veículo de nossa confiança nos pautando na experiência de ser espectador. E “mergulhar na surpresa”, parafraseando a música que dá nome ao belo disco que Maurício Pereira lançou em 1998, é a melhor forma de nos entregarmos à verdadeira observação, à experiência única e intransferível de perceber uma produção artística. Sem insights pré-concebidos ou informações em excesso sobre o que será visto, repetidas frequentemente à exaustão e sem qualquer elaboração nas filas que antecedem espetáculos/filmes ou nos cafés de museus/galerias. Sou destes que gostam de saber dos detalhes antes, de ler todas as críticas disponíveis, de entender em qual contexto a obra se situa etc., mas cada vez mais venho aprendendo que saborear a arte no escuro pode proporcionar momentos inesquecíveis quando uma obra/artista nos assombra a percepção. Lembro quando passando de canal em canal, vi um rapaz que gritava com dor durante uma canção na qual falava da falta de amor em São Paulo. Foi como receber um soco no estômago que me tirou o ar. Era Criolo cantando “Não existe amor em SP” no MTV na Brasa, apresentado por China – programa que infelizmente não é mais produzido. E assim foi quando, após assistir no Memorial da América Latina ao documentário Nosotros afroperuanos”, de Gabriela Watson e Daniele Almeida, conheci a dança de Carmen Watson, que deixou o público estupefato com seus passos ao som da música típica do Peru. Sua performance fez a platéia se levantar para ovacioná-la, assim como me levou a querer saber mais sobre o seu trabalho e compartilhá-lo. Na entrevista que segue vocês poderão conhecer um pouco da trajetória desta bailarina afroperuana radicada no Brasil, aonde ensina a língua espanhola e pretende desenvolver um trabalho de inclusão da dança nas atividades para jovens em idade escolar. Com vocês, Carmen Watson!

1. Quais os primeiros contatos que você se lembra de ter tido com a arte como espectador(a)?

Desde a adolescência tenho sido espectadora da arte de vários tipos, principalmente da folclórica. E, foi aos 17 anos que por uma casualidade comecei a estudar e praticar a arte no Instituto Nacional de Cultura, na época dirigido pela antropóloga Victoria Santa Cruz, em Lima, cidade onde nasci.

2. Qual a sua formação?

A minha formação atual é na área de Letras, sou professora e tradutora. Porém, quando vim para o Brasil, teria seguido a carreira de Coreógrafa se a oportunidade de lecionar a língua espanhola não se houvesse apresentado com tanta força no meu novo caminho. Porque a arte folclórica é uma atividade que levo comigo desde sempre e, sempre que posso colaboro na consultoria e representação da arte da dança, em eventos culturais da cidade e em festivais de imigrantes em São Paulo.

3. Quando e como lhe ocorreu ser artista? Houve um momento no qual esta foi uma intenção clara ou foi algo que aconteceu?

Como disse anteriormente, a atividade artística ocorreu casualmente e foi evoluindo na minha convivência com pessoas envolvidas nela. E houve, sim, um momento em que essa foi a minha intenção. Pois fiz dois cursos de coreografia e história da dança no Centro Cultural Três Rios e na Secretaria da Educação de São Paulo.

4. Você pode nos contar um pouco da sua carreira?

A minha carreira começou em Lima, trabalhando como bailarina no Conjunto Nacional de Folclore do Peru, órgão do Instituto Nacional de Cultura, ligado ao Ministério de Educação. Ali estudava e pesquisava sobre o canto, instrumentos musicais, dança e teatro popular peruanos, para levá-los como parte de espetáculos a diversos encontros nacionais e internacionais. Como membro integrante do INC tive a oportunidade de participar em eventos que abriram a minha visão de como é o trabalho do artista no exterior, e compará-lo com o do meu país. Paralelamente ministrava aulas de Expressão Rítmica Latino-americana, como parte da fisioterapia corporal. Também trabalhei na Associação Cristã de Moços (ACJ), onde ministrei um curso de Danças Afro-Latinas. Em outros centros culturais ofereci Workshops de rítmica, com instrumentos de percussão e em algumas instituições da área da saúde espetáculos para eventos beneficentes. A partir do momento em que fixei residência no Brasil a atividade artística foi mais reduzida, pelos motivos que já comentei.

5. Quais artistas lhe influenciaram?

Os artistas que me influenciaram foram, em sua maioria, os da cultura Afro-latina como Célia Cruz e Alicia Alonso de Cuba, Eva Ayllón, de Peru, e, obviamente, Victoria Santa Cruz, artista e antropóloga peruana, que me ensinou a maior parte do conhecimento que levo na minha bagagem.

6. Quando passou a se considerar profissional?

Passei a me considerar profissional a partir do momento em que levei à prática individual o conhecimento adquirido ao longo dos 6 primeiros anos na área e recebi o reconhecimento dos especialistas e críticos.

7. Qual era a ideia que você tinha da profissão antes de exercê-la?

Sempre tive muito claro que o artista precisa disponibilizar tempo para manter e melhorar a sua performance. Antigamente o artista devia ter um bom vínculo com o meio artístico e ter uma renda extra, para assumir a criação e preparação de espetáculos seja individualmente ou em equipe. Essa renda, muitas vezes, resultante de patrocínio. Porém, o artista afro-descendente sempre teve mais dificuldade que o de outra etnia para obter apoio de terceiros e manter-se no meio artístico por longo período.

8. Qual é a ideia que você tem da profissão hoje que a exerce?

Atualmente, o apoio ao trabalho do artista é maior em muitas partes do mundo, pois as mais diversas sociedades têm demonstrado interesse em conhecer e divulgar as diferentes manifestações de arte, já que a consideram de suma importância na formação cultural de qualquer indivíduo. Ou seja, o artista hoje consegue ser, continuar e crescer como profissional assalariado em diversos ambientes ao mesmo tempo. Seja em ambiente escolar, esportivo ou acadêmico. Com isso quero dizer que, hoje, sinto as portas mais abertas.

9. Como é o seu dia de trabalho?

Atualmente levo o folclore para a sala de aula, como parte do conteúdo temático na disciplina de língua espanhola, mas não a dança. Porém, está em meus planos incluir essa arte nas atividades para jovens em idade escolar.

10. Seu trabalho foi beneficiado com a internet e as redes sociais? Como?

Há um bom tempo que não circulo no meio artístico, não por falta de interesse e sim por falta de opção. Mas dias atrás, quando em um evento de discussão sobre a cultura afro-peruana, produzido por minha sobrinha Gabriela Watson, houve a iniciativa de filmar toda a programação e tive o privilegio de ser filmada enquanto mostrava um pequeno baile afro-peruano, fiquei surpresa com a rapidez com que o vídeo foi colocado na Internet, pois muitas pessoas me procuraram a raiz dessa apresentação. Posso dizer, portanto, que meu trabalho pode se beneficiar com a Internet e as redes sociais.

11. É possível pagar as contas tendo a arte como ofício? Como você faz?

Acredito que não é fácil para o artista, mas como disse anteriormente, a dedicação e a inserção do seu trabalho em diversos meios de atuação será uma boa alternativa para conseguir sustentar sua vida familiar.

12. Como você acredita que será o futuro da sua profissão?

A minha profissão como artista, no futuro, acredito que será difícil se não houver um extenso processo de política pública do Ministério da Cultura, que melhore a condição humana dos envolvidos no crescimento cultural de uma sociedade. E creio que uma alternativa seria convocar, a partir de um canal de comunicação, artistas, educadores, produtores e representantes de instituições culturais para que, em conjunto, encontrem a melhor solução. Não só para o benefício do artista, mas principalmente para o dos escolares. Porque é importante recuperar no currículo escolar o sentido criativo que proporciona a atividade artística, como é realizado em alguns países. Essas atividades poderiam ser de dança, música, teatro, artes plásticas e desenho entre outras.

13. Fale sobre o que você gostaria do seu trabalho, mas nunca lhe perguntam.

Gostaria que me perguntassem se o papel do artista e do professor-artista teria o mesmo desempenho no ambiente escolar. Pois, sobre isso posso comentar que a oportunidade de aliar o meu dom artístico à pedagogia é uma experiência única porque nos últimos anos se tem apresentado como uma nova proposta para o ensino no Brasil. Nela, o professor-artista deve ser considerado como um profissional da educação devidamente habilitado e comprometido com a aproximação da escola ao universo da cultura.

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