Sinto-me
abraçado pela voz e delicadeza que Marcelo Manzano imprime em suas
interpretações ao piano. Ao ouvi-lo penso numa qualidade interpretativa perdida
nas músicas que chegam ao rádio já há algumas décadas e lamento que tal
sofisticação, por falta de execução, seja tomada por erudita e, em razão disso,
inacessível ao grande público. Um equívoco! Seu disco, “Falo por meu coração”
(2011), no qual homenageia Dick Farney, o notório cantor e pianista brasileiro
que as novas gerações não descobriram, apresenta um repertório de grande beleza
já, de certa forma, assimilado outrora, quando havia espaço a este tipo de
produção nas rádios. Lembro de em nosso encontro, ocorrido em 06/12/12, Marcelo
afirmar que não é um músico de shows, ou seja, quando o público pagante vai a
um local exclusivamente para assistir a um artista, mas de apresentações, que
faz trilha ao encontro das pessoas e, vez ou outra, tem a atenção de um
espectador capturado por sua interpretação. Embora se apresentar nas
antigamente chamadas boates, que hoje têm piano bares e restaurantes
sofisticados como substitutos, tenha sido um caminho que o próprio Dick Farney
e outros músicos do gênero fizeram, penso que se ainda houvesse espaço na
grande mídia para o tipo de tratamento que Manzano dá ao seu repertório,
teríamos também o privilégio de ouvi-lo mais em disco. Ainda bem que, dentre as
reconfigurações da indústria cultural, a produção independente também viabiliza
trabalhos como o dele, dentre outras características, importantes para o
resgate de nossa memória musical. E quando isso ocorre com obras que possuem
assinatura própria, como a de Marcelo Manzano, deve-se usufruí-las e
compartilhá-las. As fotos do nosso encontro no
seu apartamento em São Paulo são de Bruno Caetano. A entrevista segue abaixo:
1. Quais os primeiros contatos que você se lembra de ter tido com a arte
como espectador?
Meus pais sempre gostaram muito de música. Eles
tinham um grupo de amigos que fazia saraus e, desde muito pequeno, eu
participava dessas reuniões.
2. Qual a sua formação?
Sou
formado em Direito, embora tenha exercido pouco tempo. Estudei piano erudito,
mas não cheguei a me formar. Hoje sou pianista e cantor e trabalho com
repertório de música popular.
3. Quando e como lhe ocorreu ser artista? Houve um momento no qual esta foi
uma intenção clara ou foi algo que aconteceu?
Eu
comecei os estudos de música muito cedo. Estudei piano erudito e violão
popular, mas inicialmente não imaginava me profissionalizar como músico.
Cheguei a advogar por um período curto de tempo, mas logo percebi que não
gostava da coisa e decidi estudar para prestar concurso público. Como precisava
de uma renda para me manter, aceitei o convite de um amigo para tocar e cantar
no bar dele. Então eu estudava durante o dia e tocava à noite. Até que cheguei
à conclusão que a profissão que eu realmente desejava e tinha aptidão era a
música. A partir daí abandonei o direito e me dediquei integralmente à arte.
4. Você pode nos contar um pouco da sua carreira?
Comecei a carreira tocando em bares na cidade de Londrina
em 1992. Mas a cidade nessa época era muito limitada artisticamente e percebi
que, se quisesse continuar na profissão de músico, teria que ir para uma cidade
maior e com mais campo de trabalho. Então, em 1995, me mudei para São Paulo,
onde moro até hoje.
5. Quais artistas lhe influenciaram?
Tenho uma infinidade de influências. Dos artistas
nacionais citaria Tom Jobim, Johnny Alf, Dick Farney, Ivan Lins, Edu Lobo,
Chico Buarque e outros. Dos artistas internacionais, citaria Tony Bennett,
Johnny Mathis, Nat King Cole, Barry Manilow, Frank Sinatra e outros.
6. Quando passou a se considerar profissional?
Quando parei de estudar para concursos públicos e
passei a me dedicar totalmente à carreira musical.
7. Qual era a ideia que você tinha da profissão antes de exercê-la?
Que era uma profissão muito difícil, sem estabilidade
alguma e pouco valorizada. Por isso o receio de exercê-la.
8. Qual é a ideia que você tem da profissão hoje que a exerce?
Que é uma profissão muito difícil, sem estabilidade
alguma e pouco valorizada... A diferença é que hoje não tenho mais receio de
exercê-la, e sim, muito orgulho dela.
9. Como é o seu dia de trabalho?
Hoje em dia tenho um trabalho fixo duas vezes por
semana e nos outros dias faço eventos e festas.
10. Seu trabalho foi beneficiado com a internet e as redes sociais? Como?
Foi muito beneficiado, principalmente
depois que eu lancei o meu CD. Elas foram importantes não só na divulgação, mas
também na comercialização dos discos.
11. É possível pagar as contas tendo a arte como ofício? Como você faz?
Sou um artista privilegiado, pois sempre tive
trabalhos fixos e sempre toquei em bons lugares. Mas essa não é a realidade da
maioria dos músicos, infelizmente.
12. Como você acredita que será o futuro da sua profissão?
Cada dia tem menos lugares com música ao vivo. Muitos
lugares que contratavam músicos hoje têm só música mecânica, um DJ ou senão um
aparelho de karaokê... Eu acho que o
futuro da minha profissão é trabalhar com eventos, pois sobreviver só tocando
na noite está cada vez mais difícil.
13. Fale sobre o que você gostaria do seu trabalho, mas nunca lhe perguntam.
Gostaria que houvesse mais respeito com o músico. Que
os donos de bares não considerassem a música ao vivo uma “despesa necessária”.
Que os frequentadores dos bares não achem que o músico é uma jukebox onde você
põe uma moeda, escolhe qualquer música e ele toca. Cada músico tem um estilo e,
se você não atende a um pedido, não é por má vontade, mas sim porque a música
não faz parte do seu repertório. Gostaria que houvesse respeito dos músicos
para com os músicos. A classe é extremamente desunida e muitos não pensam duas
vezes em passar a perna num colega. Já passei pela situação de um músico chegar
no lugar que eu tocava e se oferecer para tocar no meu lugar por um cachê menor
que o meu... Se a Ordem dos Músicos do Brasil realmente fizesse alguma coisa
por nós músicos, além de cobrar a anuidade, talvez isso não acontecesse. E, por
fim, mas não menos importante, é que hoje em dia o cara se diz músico só porque
tem um teclado onde ele aperta um botão e o bicho toca sozinho! Ou senão ele
leva um computador com os playbacks e acha que pode animar um bar ou um evento
cantando como se fosse um karaokê... Eu
gostaria que as pessoas, donos de bares e contratantes em geral discernissem o
músico que estudou, se preparou para a profissão e vive dela, daquele “curioso”
que nunca estudou, que acha que a música pode ser um “bico” e que apertar botão
de teclado ou computador é ser artista!!
Para conhecer mais do trabalho de
Marcelo Manzano, visite sua página oficial:
Ouça a música “Tenderly”, que faz
parte do repertório do disco “Falo por meu coração”:
Para ver mais fotos tiradas por Bruno
Caetano do encontro com o artista, visite a página do Cultura Artfício no
Flickr:
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