Observar a atriz e preparadora de elenco Nara Sakarê trabalhar no projeto Grupo de Cinema Ap 43 foi uma experiência que me deixou impactado. Primeiramente pela proposta de reunir um grupo de atores disposto a se aprimorar na atuação para o cinema em seu próprio apartamento. Segundo, pelo processo de criação e desenvolvimento desses personagens, partindo das vivências pessoais destes atores. Participamos de um dos encontros do Ap 43 e pudemos ver uma a uma as cenas em construção, cuja característica comum era retratar a intimidade de seus personagens. Mostrar certos aspectos de suas personalidades que geralmente são escondidos pelas diversas máscaras que utilizamos no convívio social. A clara relação de confiança estabelecida entre os atores participantes e a diretora de elenco pautou aquela manhã de quarta-feira. Nara interferia nas cenas, direcionava os atores de forma precisa, hora em voz alta, hora sussurrando aos seus ouvidos, dependendo de sua pretensão dever ser do conhecimento do outro que contracenava ou não. Um diretor de fotografia e possível colaborador do projeto foi assistir às cenas e trocava ideias com ela. O fotógrafo do Ap 43 e o Bruno Caetano, que fez as fotos deste encontro para o Cultura Artfício, se dividiam para encontrar os melhores ângulos. Eu observava a movimentação, sempre atento à Nara Sakarê. Seu trabalho é minucioso e trata de ajudar o ator a encontrar o tom certo para cada personagem em dada situação, considerando também aspectos de ordem técnica quanto à linguagem cinematográfica. Recordo vividamente de uma cena recém criada que se passava na cozinha, na qual havia uma discussão entre um casal. Nara direcionava o elenco e pedia que a cena se repetisse, buscando a emoção correta que levaria os personagens a determinadas atitudes, a energia adequada necessária para a cena começar, se desenvolver e terminar. E, da mesma forma, conduziu todo o encontro daquele dia. Na hora de nos despedirmos, totalmente tomado pela forte energia desprendida no decorrer das cenas pelos envolvidos, perguntei como ela fazia para se desligar daquilo. Ela me garantiu que tem suas técnicas.
1. Quais os primeiros contatos que você se lembra de ter tido com a arte como espectador(a)?
Em casa, com meu pai
cantando e tocando violão. Venho de uma família de músicos por parte de pai e
de circo por parte de mãe. Meus avós maternos eram trapezistas no circo, onde
minha mãe cresceu.
2. Qual a sua formação?
A minha trajetória de vida me proporcionou algo mais
poroso, mais amplo que uma formação formal, que são as minhas referências. Não
herdei o dom musical de cantar nem tocar instrumentos, mas desde sempre foi
muito física na minha relação com a música. Comecei a desfilar e a fazer
comerciais de TV com 9 anos de idade (até hoje já fiz quase 300 filmes publicitários). Depois, na
adolescência, comecei a trabalhar no circo (era ajudante de mágico, função
também chamada de partner) e em seguida fui apresentar um programa na TV
Bandeirantes local de Porto Alegre, no RS. Logo após isso tudo minha vida de
modelo se intensificou muito, mudei para São Paulo, fiquei menos de um ano e
fui para o Japão. Daí em diante fiquei viajando pelo mundo durante 8 anos como
modelo, com breves retornos ao Brasil quando sentia saudades da minha família.
Com 28 anos parei com a carreira de modelo e comecei a estudar interpretação
para me tornar atriz. Fiz um curso regular de formação (Escola Nilton
Travesso), fui aluna e depois assistente da Fátima Toledo e depois fiquei 5
anos no CPT – Centro de Pesquisa Teatral com Antunes Filho. Fiz muitos cursos
livres. De lá pra cá tenho trabalhado como atriz e preparadora de elenco para cinema
e TV. Mas hoje me vejo alem de atriz, uma boa diretora de ator. O fato de
viajar muito pelo mundo todo me ampliou muito meus horizontes como ser humano e,
lógico, como atriz.
3.
Quando e como lhe ocorreu ser artista? Houve um momento no qual esta foi uma
intenção clara ou foi algo que aconteceu?
Sempre desejei ser artista, na forma mais clichê e
estereotipada. Eu só entendi o que é ser um artista de verdade depois que
amadureci. Só me dei conta que era
artista quando comecei a identificar a minha necessidade interna da minha
própria expressão. Cansei de ser modelo a vida toda e de fazer o que era
esperado de mim. Foi uma necessidade, uma inquietação, um desconforto que não
me deixou em paz até a maturidade chegar e eu conseguir dimensionar qual seria
o meu caminho.
4.
Você pode nos contar um pouco da sua carreira?
Quando eu era modelo eu tive a oportunidade de ter
ido para a TV como varias ex-colegas que foram e estão lá até hoje: Luanan
Piovani, Ana Paula Arósio, Carolina Ferraz, Maria Fernanda Candido etc.. Eu era
muito tímida e sentia que precisava estudar e foi isso que fiz. Tenho estudado
muito todos esses anos. Como atriz fiz oito filmes no ano passado e estou para
estrear dois longas. Nunca tentei fazer TV, mas faria com o maior prazer. Me identifico
mais com o processo do cinema, que é intenso.
Acabou a gente parte para outro, diferentemente do que no teatro. Mas
foi o teatro que me deu base para tudo que desenvolvo hoje no cinema.
5.
Quais artistas lhe influenciaram?
Dina Sffat, Antunes Filho, Fátima Toledo, Bel
Teixeira, Wagner Moura.
6.
Quando passou a se considerar profissional?
A minha postura em trabalho sempre foi muito
profissional, eu comecei cedo e já tinha tido toda uma carreira artística de
modelo antes de ser atriz. Passei a me sentir profissional quando senti que
tinha amadurecido e deixado de ter dúvida quanto a ser atriz, quando eu cansei
de ser aluna. Depois de tentar varias vezes desistir da profissão, depois de
assumir o que sei e o que não sei. Bom, é isso: depois de assumir o que tenho e
o que não tenho.
7.
Qual era a ideia que você tinha da profissão antes de exercê-la?
Não me lembro pensando na profissão, mas no ato de
atuar. Nunca parei pra pensar como seria minha vida como atriz, eu era modelo e
já estava bem confortável naquele estilo de vida. Eu não tinha nenhum
deslumbramento com relação a isso. Eu só pensava no prazer que teria em viver
um personagem e outro.
8.
Qual é a ideia que você tem da profissão hoje que a exerce?
A ideia que tenho hoje é a da realidade: o cinema no
Brasil ainda tem de andar muito. Falando de ator, nós não temos uma escola
sequer que instrumentalize o ator para esta linguagem. Existem alguns workshops
de preparadores de ator badalados que não são suficientes. O ator é rotulado e
muito desrespeitado. Muitas vezes a pessoa que faz o casting para um filme nem
leu o roteiro. Difícil alguém que olhe de verdade pra você e te permita ser ou
propor algo. Aqui o ator não tem autonomia de nada. Se você não está na Globo,
não existe, salvo alguns poucos que já alcançaram um certo patamar. E isso
inclui mesmo atores de teatro maravilhosos (ganhadores até do prêmio Shell) que
não dominam a linguagem. O mecanismo de ficar correndo atrás da maquina é
perverso e muito cruel para o ator. Tudo converte sempre para que você se sinta
uma pessoa desapropriada. Mas o bom é que hoje estamos fazendo mais cinema. Independente
da qualidade, o exercício é necessário.
9.
Como é o seu dia de trabalho?
Agora, com o Ap 43, eu acordo, preparo minha filha, a
levo para a escola, volto para casa e começo a correria de aprontar tudo para
os encontros do grupo. Acabo o primeiro turno às 13hs, almoço, volto para casa,
arrumo tudo para o segundo turno. Saio correndo para pegar minha filha na
escola e até umas oito da noite me ocupo da casa e dela, depois volto a fazer
as coisas do Ap 43 e assim vai, com adaptações de encaixes de reuniões,
leituras de roteiros, reuniões do grupo, planejamento e novas parcerias. Me
revezo entre meu marido André, um grande parceiro com quem tenho ótimas
conversas, e a nossa filha Maria Rosa.
10. Seu trabalho foi beneficiado com a internet e as redes
sociais? Como?
Muito! Faço tudo pela internet. Tenho um blog onde
registro todo o conteúdo do nosso processo. Tenho um grupo no Facebook que é a
nossa comunicação diária, e tenho uma outra página nele que é a nossa vitrine de
divulgação do trabalho. Logo teremos ações de divulgação do teaser do Ap
43 bombando por aí na internet.
11.
É possível pagar as contas tendo a arte como ofício? Como você faz?
Ser ator é uma opção que se faz na vida e deve-se ter
consciência de que ela vem com um pacote que implica talvez em você não ter muito conforto e passar
perrengues. E isso é real. Eu já passei por muitos, muitos perrengues.
Normalmente as pessoas têm uma outra atividade paralela (a opção B) e hoje
estou muito feliz por poder viver do que mais amo. O Ap 43 me dá estrutura para
eu poder fazer arte e pelo menos ter uma vida digna. Mas já passei muitas
aflições de imaginar que teria de fazer algo que não gosto para ganhar
dinheiro. Tenho uma filha para criar. Já fui hostess, já trabalhei com
produção de shows e agenciamento artístico e tradutora/interprete.
12.
Como você acredita que será o futuro da sua profissão?
Do mesmo jeito que tem sido nos últimos anos: com
pouca autonomia, para poucos e... com pouca preparação para a linguagem do
cinema.
13.
Fale sobre o que você gostaria do seu trabalho, mas nunca lhe perguntam.
Eu gostaria que no cinema acontecesse mais na troca.
Ninguém faz cinema sozinho, mas também não vejo muita gente que faz essa arte
em coletivo. Às vezes parece que cada departamento está fazendo um filme
diferente. Gostaria muito que as produções tivessem mais tempo de elaboração
para os atores e mais troca entre atores e direção, e respeito pelos atores.
Começando por dar a devida importância ao casting de um filme. Não existe nada
melhor do que um set prazeroso, quando o cinema acontece. Mas o que mais desejo
é que os diretores olhem de verdade para o ator que escolheu para o seu filme e
dialogue com ele, que está ali para contar a sua história, a história que o
diretor quer contar. Desejo que algum dia o nosso cinema não tenha mais que
ficar na mão de um sistema de distribuição tão de fora e tão manipulativo. Fazer
cinema já é difícil, imagina fazer para ninguém ver?
Para conhecer mais do trabalho de Nara Sakarê, visite seu blog:
http://narasakare.wordpress.com/
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