quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Entrevista com Luis Carvalho aka Farsa












O que determina quem é ou não artista? Será que necessariamente o mercado ou a crítica? A entrevista com o ilustrador e diretor de arte Luis Carvalho, que assina as suas obras como Farsa, incita tais questionamentos ao colocar a realidade de um trabalhador que precisa prestar serviços para realizar sua arte autoral. Farsa faz trabalhos para grandes agências de publicidade e marcas, mas pontua uma diferença entre o trabalho de arte encomendado e o não, relativizando sua posição como artista por ainda não poder viver exclusivamente do último. O forte teor de grande parte de suas criações autorais nos remete a trabalhos destinados a um público especializado de quadrinhos. Seus desenhos de aquarela e nankim, assim como ilustrações e rascunhos, podem ser apreciados no mural acima. O retrato do artista junto deles foi feito durante um dia de trabalho na agência para a qual presta serviços. Quanto às perguntas feitas no início deste texto, elas ficam como sugestão de reflexão, já que nenhuma resposta é tão óbvia quando tais questões se referem a um trabalho que depende não apenas da subjetividade de seus criadores para existir, mas também da cumplicidade do público para que reverbere. Além disso, há uma lógica mercadológica que determina quais obras chegarão ou não aos seus destinatários, o que traz elementos fundamentais para a discussão em pauta. Enquanto isso, aproveitem a entrevista com Farsa, que segue abaixo:

1. Quais os primeiros contatos que você se lembra de ter tido com a arte como espectador(a)?

Eu diria que foram os desenhos animados. Como desenho desde pequeno, adorava analisar as diferenças de traço de um Perna Longa para o de um filme da Disney, por exemplo. Depois descobri os desenhos japoneses, os Animes. Não gostava muito daqueles rostos com olho grande e boca pequena, mas o carinho que eles tinham com a animação da personagem e todos os outros elementos visuais era maravilhoso. Agora, a "arte" no termo clássico da palavra, nunca me animou muito. Só fui ter um real contato na faculdade.

2. Qual a sua formação?

Sou formado no ensino médio pelo Colégio Objetivo. Nunca fiz nenhum curso de desenho. Meu treinamento intensivo ocorria durante o período letivo. Foi assim a minha vida inteira. Nem me pergunte como passei de ano e consegui terminar o colegial! Tentei cursar o Bacharelado em Artes Visuais na Faculdade Belas Artes, que era um excelente curso, por sinal. Porém, devido à gama de trabalhos que estavam aparecendo na época e um pouco à minha vagabundagem eu tranquei o curso e me apliquei somente a área publicitária.

3. Quando e como lhe ocorreu ser artista? Houve um momento no qual esta foi uma intenção clara ou foi algo que aconteceu?

Deixe eu me explicar antes, para não termos confusões. Nunca fui um cara muito chegado em "arte". Acho o termo muito vago e diversas vezes, transviado. Eu desenho. Desenho desde que nasci e sempre soube que seria o meu ganha-pão. Não sabia exatamente o quê faria, mas sabia que seria relacionado ao desenho. Hoje sou um ilustrador. Se mereço o título de artista não é uma decisão que cabe a mim.

4. Você pode nos contar um pouco da sua carreira?

Minha maior área de atuação é a publicidade. Entrei nela pois era de fácil acesso para mim, por saber desenhar e ter vários amigos designers e diretores de arte. Trabalho como freelancer para agências grandes como a JWT (Thompson), Publicis e Heads. É um mercado que paga muito bem, porém o trabalho é exatamente o contrário de "arte". Eu diria que está mais para manipulação de massas. 90% do trabalho é fazer rascunhos de layouts (arranjo gráfico de um pôster ou banner) e/ou story boards (espécie de história em quadrinhos sem falas, só para determinar os ângulos de camêra antes de uma filmagem) para comerciais de marcas de carro, xampu ou refrigerante. A real recompensa, o que poderia ser chamada de a "utopia do ilustrador", é ser chamado para fazer ilustrações finais de marcas grandes. Nessa situação, o artista ou ilustrador é chamado pois o cliente quer "aquele traço" específico e por isso é mais valorizado, dando a possibilidade de concorrer a prêmios, como Cannes ou Young Lions. Fiz as ilustrações do produto "Hershey's Mais" onde cada embalagem de chocolate é um pequeno toy art, e há pouco tempo atrás fiz a versão de natal do mesmo, junto com a Design Absoluto, onde também fiz ilustrações para uma embalagem de Panettone promocional de 4Kg da Bauducco. Também fiz a campanha de um projeto de cervejas artesanais de Curitiba chamado "The Beers", que sairá ano que vem, para a agência Heads. E agora estou trabalhando em ilustrações para o site Shutterstock.com, também para a Heads.

5. Quais artistas lhe influenciaram?

Sou muito influenciado pelos artistas de quadrinhos, que só passaram a ser um foco de interesse depois da minha adolescência. Sempre odiei super heróis, e por isso demorei pra descobrir os quadrinhos que me interessavam de verdade. Esses são os melhores ilustradores, na minha opinião: Jason Pearson (“Body bags”), Jamie Hewlett (“Gorillaz” e "Tank girl”), Darick Robertson (“Transmetropolitan”), Jock (“The Losers”) e Moebius, que dispensa apresentações. Agora, falando de artistas mais clássicos, Caravaggio e o barroco em geral me influenciaram muito, pelo visual pesado que as obras têm e o clima tenso que elas passam.

6. Quando passou a se considerar profissional?

Quando começaram a me procurar querendo pagar pelos meus serviços. Simples assim.

7. Qual era a ideia que você tinha da profissão antes de exercê-la?/
8. Qual é a ideia que você tem da profissão hoje que a exerce?

Sinceramente, eu não fazia ideia do que esperar. Eu realmente caí de paraquedas nesse ramo. Tudo por causa da indicação de um amigo que trabalhava na Thompson. Só o que precisava era saber desenhar. Depois disso não fiquei mais um dia sem trabalho. Foi muito frenético no começo. Essas agências tiram o seu sangue se precisar, principalmente quando você é freelancer. Mas depois de um tempo eu peguei o embalo. Hoje eu vejo essa área como um belo ganha-pão e um ótimo treino, pois tenho que desenhar literalmente de tudo. Não existe "não saber fazer" isso ou aquilo. Mas como disse, é só um salário para poder aplicar em fazer os meus desenhos e não os dos outros.

9. Como é o seu dia de trabalho?

A maioria das vezes é muita correria. Como sou freelancer, sempre sou convocado de última hora para substituir alguém ou entrar num projeto que já está estourando o prazo e ajudar a agilizá-lo. Muitas vezes trabalho de final de semana e feriados, mas o bom é que dá pra cobrar taxas altas por esse tipo de serviço. A falta de uma rotina também é uma das coisas que mais me atrai na vida de freelancer.

10. Seu trabalho foi beneficiado com a internet e as redes sociais? Como?

Não muito, na verdade. Somente uma vez, há um bom tempo atrás, fui contatado pelo Orkut para participar de um projeto cultural. O trabalho vem mesmo a partir dos contatos que fui fazendo no ramo e de amigos do meio da publicidade e das artes plásticas.

11. É possível pagar as contas tendo a arte como ofício? Como você faz?

Tendo a arte como ofício é difícil. Ganhar dinheiro fazendo algo que se ama é sempre muito mais trabalhoso. Poderia estar fazendo música ou andando de skate, mas minha renda vem da publicidade e paga as contas muito bem. É um dos maiores motivos pelos quais ainda estou na área. Mas gostaria mesmo é de estar ganhando a vida fazendo os desenhos que gosto, vendendo-os em exposições e sendo reconhecido pelas minhas idéias.

12. Como você acredita que será o futuro da sua profissão?

Essa eu vou ficar te devendo. No fundo, imagino que seja um ramo que continuará o mesmo por um bom tempo. Eu pretendo estar em outro lugar, provavelmente vendendo minhas obras em galerias para apreciadores, ao invés de vender desenhos obtusos para clientes manipuladores. Quando esse dia chegar, aí sim você pode me chamar de artista!

13. Fale sobre o que você gostaria do seu trabalho, mas nunca lhe perguntam.

É uma profissão que me puxa até o limite, nos quesitos desenho, quantidade de trabalho e na pressão dos prazos. Eu nunca imaginei ter que ficar até as 4h da manhã para desenhar um amortecedor de carro feito de lego, ou começar o dia fazendo um monte de africanos num ritual tribal. Isso é algo que me mantêm com o pé no chão e sempre alerta sobre as minhas próprias habilidades e meus limites.

Para conhecer mais do trabalho de Farsa, visite sua página oficial:
http://nanobipede.carbonmade.com/
E visite sua página no Flickr:


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