sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Entrevista com Pipo Pegoraro


O mantra da sociedade do consumo na qual vivemos é “ter para ser”, e isso geralmente implica na escolha de trabalhos que oferecem um retorno financeiro garantido e quanto maior possível. Contudo, seria um equívoco dizermos que todos os funcionários de empresas privadas ou de órgãos públicos estão ricos ou mesmo vivendo com abundância de dinheiro. Porém, são carreiras que oferecem alguma segurança no que se refere aos direitos conquistados pelos trabalhadores, como férias, décimo terceiro salário e plano de saúde. Quando trata-se da escolha por qualquer trabalho autônomo a história é outra, pois o próprio trabalhador torna-se administrador de todos os recursos concernentes ao seu ofício. Algo que pode ser desastroso ou muito bom, mas sempre arriscado. Característica esta inerente ao trabalho com qualquer especialidade da arte. Só que enquanto alguns são felizes cumprindo qualquer função que lhes traga o vil metal para comprar suas quinquilharias, outros só podem sê-lo realizando algo pelo qual são movidos e têm verdadeira paixão – o que não elimina o desejo e/ou a necessidade de retorno financeiro, muito menos a sua legitimidade. Nestes casos, por sua vez, seria um equívoco imaginarmos que todos os que optam pelo trabalho com a arte são herdeiros de grandes fortunas que podem se dar ao luxo de tal escolha como nada além de um passatempo, o que faz da discussão sobre os seus direitos tão urgente quanto a sobre os dos trabalhadores de outras classes. A entrevista de Pipo Pegoraro, músico e compositor que já lançou dois discos solo, “Intro” (2008) e “Taxi Imã” (2011), deixa a sensação de que, apesar de tudo, algumas pessoas só têm segurança quando fazem o que acreditam. São aquelas que preferem entoar o mantra do “ser para ter”. As fotos de Pipo foram feitas por Diana Basei + Rock Ink Studio.

1. Quais os primeiros contatos que você se lembra de ter tido com a arte como espectador(a)?

Lembro de ir a um espetáculo de teatro infantil com a minha irmã onde havia um vampirinho que voava e aquilo povoou minha cabeça, foi minha primeira peça de teatro. Com a música, no início de minha adolescência fui a vários shows que ocorriam na USP. Eles aconteciam do lado de casa, gratuitos e pude ver vários nomes como Alceu Valença, Hermeto Pascoal, André Gereissati, Rumo (Lira Paulistana)...

2. Qual a sua formação?

Comecei cedo a ter contato com o violão, que é o meu instrumento principal de composição. Meu irmão ia às aulas e trazia cifras de músicas conhecidas. Eu o observava e tentava imitar. Daí em diante fiz alguns cursos, aulas, mas nunca tive uma formação acadêmica em música... A música sempre teve um caráter muito intuitivo e autodidata em meu caminho. Ela foi se formando, se transformando por ela e por mim. Sou formado em comunicação também, mas isso seria outro parágrafo inteiro... (risos)

3. Quando e como lhe ocorreu ser artista? Houve um momento no qual esta foi uma intenção clara ou foi algo que aconteceu?

Acredito que o ímpeto de expressar idéias é do ser humano. Eu achei na música o meu portal para comunicar e dialogar com coisas que muitas vezes utilizando palavras sem melodia eu não consigo. Mas foi quando comecei a trabalhar em estúdio de gravação com uns 18/19 anos que caiu a ficha de que a música era o que me fazia bem. Eu já compunha algo e tinha bandas. Ví que algo me movia e deixei fluir.

4. Você pode nos contar um pouco da sua carreira?

Comecei tocando com amigos na adolescência sem muita pretensão. Tive uma banda que gostava muito chamada Nafthazarden, que era super inventiva. Depois fui tocando em outros projetos autorais como a banda Feira Livre, da qual guardo amigos e parceiros musicais como a Blubell, o Pablo Casella e o Bruno Serroni até hoje. Em 2005 fiz uma turnê européia de seis meses junto com o Pablo Casella e a Lígia Kamada em um projeto que tínhamos, chamado Q'saliva. Isso me impulsionou para composição de outra forma e a partir daí acredito que fiquei com mais coragem para cantar o que vinha compondo, vim caminhando trabalhando bastante e aí chegamos aqui!

5. Quais artistas lhe influenciaram?

Afee... Por nascer no Brasil, vejo que o contato com expressões regionais e a música daqui vai de encontro a quem quer se conectar à música. As pessoas são muito musicais, os diálogos, até os vendedores e suas “canções de venda” são incríveis. Além dessa música natural que nos permeia, tem muita gente que ouço e sobre quem “procuro saber”. Ouço música com afinco. Numa seleta que faço para ouvir em casa, por exemplo, é fácil encontrar artistas como Assis Valente, Lupicínio Rodrigues e Ataulfo Alves se misturando a Metronomy, Fella Kuti, Hermeto Pascoal, os tropicalistas, Luiz Gonzaga, Miles Davis, Roberto Carlos... As influências para as minhas composições dependem muito do que estou ouvindo e vibrando. Hoje estou ouvindo uma cantora do Cabo Verde chamada Carmem Souza que é master!

6. Quando passou a se considerar profissional?

Acho que a partir de 2005, quando comecei a viver só de música, antes eu trabalhei em produtoras de vídeo, vários estúdios de gravação, fiz pesquisa de rua e um monte de outras coisas. A partir daquele ano a música começou a tomar uma dimensão maior em vários níveis e isso foi corroborando para que as conexões musicais também acontecessem em outros níveis.

7. Qual era a ideia que você tinha da profissão antes de exercê-la?

Nunca fantasiei muito a profissão de músico tipo como num filme que tudo acontece super rápido e de repente você está viajando o mundo, sabe... Pelo fato de freqüentar muitos estúdios de gravação sempre conversava com diversos músicos e via que não era “batatinha”. Não tenho parentes que vivam de música também, então não tinha muita idéia do que seria. Mas sempre observei em rostos de cantores, músicos e afins, olhares de satisfação por fazer o que queriam e sentir isso me ajudou a firmar o elo com a música.

8. Qual é a ideia que você tem da profissão hoje que a exerce?

Sinto que estou fazendo coisas conjuntas, tenho feito os shows dos meus discos e tenho tocado em bandas de trabalhos autorais como músico acompanhante. Faço trilhas sonoras e trabalho como eng.º de som para amigos como Rômulo Fróes, Léo Cavalcanti, Bixiga 70, Peri Pane... A minha ideia de profissão é que estou trabalhando com pessoas que gosto e me sinto feliz por poder “jogar” em posições diferentes no campo da música.

9. Como é o seu dia de trabalho?

Não tenho dias muito parecidos. Eles vão se configurando na medida em que tenho demandas de trabalho e de tempo. Tem dias que começam com ensaio, outros com avião, outros dá pra tomar um café da manhã estendido... É bem variado. Quando tenho tempo gosto de me organizar para poder ficar em contato com a possibilidade da criação, ter um instrumento por perto para dialogar musicalmente com as idéias que surgem.

10. Seu trabalho foi beneficiado com a internet e as redes sociais? Como?

Somos da geração em que não estar na internet é quase como não existir. A maioria dos artistas hoje em dia é independente, e isso implica em fazer um corre gigante para conseguir ser ouvido no meio do “tudo ao mesmo tempo agora”. Moramos em um país no qual as emissoras de TV e Rádio que poderiam ser as grandes responsáveis pela propagação e difusão cultural ainda vivem em modelos de “jaba”, tocando a mesma música 40 vezes, mostrando os mesmos artistas e martelando a imagem do que é “bom” repetidamente todos os dias. Se não fosse a rede seria difícil romper esse bloqueio da comunicação, pois não temos uma mídia que seja mais democrática do que a internet, que hospeda conteúdo de diversas maneiras. Mas apenas fazer algo e colocar na rede também não quer dizer que isso irá andar sozinho ou que a circulação ocorrerá espontaneamente. O artista independente trabalha muito na internet e em outros meios também para que sua obra chegue às pessoas.

11. É possível pagar as contas tendo a arte como ofício? Como você faz?

Olha... (risos) Não é mole não, mas a gente dá um jeito! Ouvi uma música do Kamau outro dia que fala sobre isso e ele exemplifica de uma maneira real, falando sobre a garantia que um músico tem de um salário no fim do mês, de um seguro saúde e tudo mais. É crazy pensar que a gente acaba não tendo garantia nenhuma, como piso salarial e afins. Mas, ao mesmo tempo, estou com meus amigos vivendo da arte que produzimos e fazendo o que acredito. Tenho a maleabilidade de trabalhar de maneiras diferentes com a música e sinto que as vivências não se anulam e sim somam na minha carreira nesse momento. Na somatória geral do fim do mês, pago as contas e não costumo ficar devendo na venda da esquina perto de casa.

12. Como você acredita que será o futuro da sua profissão?

Acredito que se colhe o que se planta em qualquer ofício e em qualquer momento, seja da profissão ou da vida. Plantemos um futuro com harmonia!

13. Fale sobre o que você gostaria do seu trabalho, mas nunca lhe perguntam.

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