Pessoas, animais, objetos, natureza, palavra. Corpos que habitam espaços que os revelam e os guardam. O trabalho da artista visual curitibana Fran Ferreira carrega esta ambiguidade poderosa que instiga um olhar cuidadoso de quem tenta interpretá-lo. E não há pontos finais, mas reticências que eternizam infinitas possibilidades. Decifra-me ou devoro-te, parece dizer tal qual uma esfinge, tomando seus sentidos para si. Nem mesmo sua entrevista entrega os pontos. Contudo, a vida segue perseguindo a palavra que persegue a imagem que persegue a vida. Nem sempre nessa ordem. Esta é Fran Ferreira e este é o seu trabalho inebriante. O retrato da artista ao centro do mural foi feito em parceria com Mag Nólia. Bon voyage!
1. Quais os primeiros contatos que você se lembra de ter tido com a arte como espectador(a)?
Desde pequena folheava as enciclopédias que tínhamos
em casa. Meu pai tinha uma coleção de vários artistas de proveniências diversas
na arte e esse foi meu primeiro contato com ela, através dos livros. A música
também foi importante, meus pais gostavam muito de fazer rodas com vários
instrumentos musicais. Meu pai era um colecionador de máquinas fotográficas e
de livros sobre fotografia; minha mãe foi dançarina na juventude e depois
aspirante a pintora. Foi mais tarde que tive o primeiro contato com a arte
contemporânea, que acabou mudando a minha forma de pensar.
2. Qual a sua formação?
Entrei
na faculdade de artes, mas não dei conta da instituição. Estudei desenho e
nunca fiz curso nenhum de fotografia. Estudo em casa. Todo dia.
3. Quando e como lhe ocorreu ser artista? Houve um momento no qual esta foi uma intenção clara ou foi algo que aconteceu?
Não
tinha pensado em ser artista e quando vi já era muito tarde para pensar em
não ser mais.
4. Você pode nos contar um pouco da sua carreira?
2013:
-
Trabalho em um projeto de nome Une Múltiplos, que propõe um diálogo
entre a leitura, a conversação e a fotografia, ainda em processo de criação;
-
A revista de arte contemporânea e poesia chamada Mallarmargens mostra meus três
últimos trabalhos, sendo que “Plástico” foi produzido neste ano.
2012:
-
Produzo os outros dois trabalhos exibidos na revista Mallarmargens, “Era uma vez uma multidão de realidades” e “Impregnando reminiscências áridas, foto e texto”.
2011:
- Fiz
o trabalho intitulado “Orgânico”,
que resultou em um convite em aberto para uma residência no exterior.2010:
- Participei da III Bienal Brasileira de Design com a instalação de arte/escultura “Boon”.
5. Quais artistas lhe influenciaram?
Os
que mais me influenciaram e os que mais me inspiram são Jan Saudek, Edith de
Camargo, Anna Diprospero, Magnolia, Ana Mendieta, Magritte,
Ricardo Pozzo, Polansky, Fernando Pessoa, Fenando
Rosenbaum, Heitor Villa Lobos, Janete Anderman, Louise Bourgeois, Bruno
Machado, Cintia Ribas, Paulo Leminski, Rimon Guimarães, Guimarães
Rosa, Maria Caruso Paraguaia, André Azevedo, entre outros.
6. Quando passou a se considerar profissional?
Difícil responder essa pergunta. O que aprendi pelo trajeto é que a arte é um chamado, uma inquietação, uma necessidade de registrar e comunicar o pensamento. Ela exige dedicação, portanto, é necessário se fazer disponível. Passei a me considerar profissional quando entendi que só o talento não basta, que é preciso trabalhar duro para ser bem-sucedida.
Difícil responder essa pergunta. O que aprendi pelo trajeto é que a arte é um chamado, uma inquietação, uma necessidade de registrar e comunicar o pensamento. Ela exige dedicação, portanto, é necessário se fazer disponível. Passei a me considerar profissional quando entendi que só o talento não basta, que é preciso trabalhar duro para ser bem-sucedida.
7. Qual era a ideia que você tinha da profissão antes de exercê-la?
Que
a arte era um pensamento.
8. Qual é a ideia que você tem da profissão hoje que a exerce?
Que
a arte é uma ação.
9. Como é o seu dia de trabalho?
Edito, leio, escrevo, fotografo, produzo.
10. Seu trabalho foi beneficiado com a internet e as redes sociais? Como?
Sim, o que ainda é um acontecimento em processo.
Mas estou mais interessada nas maneiras como as pessoas podem trabalhar juntas
na internet para criar coisas que, de outra maneira, não seriam possíveis. Não
fico necessariamente excitada com o uso exacerbado da tecnologia. Acredito que
deve haver uma razão pela qual algo está sendo usado, de forma a apoiar ou
aumentar o significado do está sendo produzido.
11. É possível pagar as contas tendo a arte como ofício? Como você faz?
12. Como você acredita que será o futuro da sua profissão?
Com
as novas conquistas humanas, acredito que a arte será uma inspiração a
perspectivas mais abertas, servindo a objetivos sociais e à construção de um
mundo mais consciente e educado.
13. Fale sobre o que você gostaria do seu trabalho, mas nunca lhe perguntam.
Vou
responder com o texto de uma poeta chamada Flora, chamado “Pelo fim do gozo do poder”:
“O
homem prende o homem e o tortura, depois o chama de louco. Depois de privá-lo
de sua subjetividade, adestrá-lo e alfabetizá-lo na língua morta dos cheios de
razão, os que têm dificuldade evidenciam-se, irrecuperáveis retardatários do
progresso: são as crianças hiperativas, os que lêem mal, os que são violentos,
os que são reprovados, os que desistem de se inserirem no mundo dos que sabem
mais e saem-se muito melhor e servem ainda com alta capacidade de produção,
neste mundo em que tudo é máquina do poder e não da diferença que submerge aos
ditos dos professores mal pagos e cruéis, abusadores fascistas de criancinhas
de 3 anos. Sim, as escolhinhas estão cheias destas professorinhas e as creches
e as escolas de primeiro grau e os sanatórios, e os tribunais e as delegacias e
as prisões (não nas celas) e nos consultórios e nas pós-graduações: tudo que
especializa e adestra o ser na medida exata ordenada de sua poda, em pedaços
cada vez menores de si, até o último resquício da criatividade subjetiva que
aquele ser pudesse desenvolver, se apoiado pelo amor ao diferente quando
precisasse de suporte por tentar outra maneira de entender o mundo, ou de
vestir a roupa, ou de amarrar os cadarços... Sim o mundo é um mundo de juízo
final, como dizia Artaud_ não pelo fim de deus mas do seu julgamento_ de juízo
total e final e definitivo e castrante, edipiano e coercitivo, que não sabe
reconhecer responder na leitura das coisas um loop fechado de sua própria
repetição exo-modelada, fixa morta e decepada em padrões que ele
copia por imposição velada, beijando as próprias algemas do saber e
do sentir e do desejar e do apaixona-se... Sim seres irrecuperáveis, depois de
tanta crueldade e depois de serem extirpados de suas potencialidades e
amarrados em seu aparente não saber o que não lhes explicaram duas vezes, ou
três ou se preciso mais, aquele problema assim de forma mais paciente, que não
lhes deixaram ser inteiros mesmo sem alguma capacidade que não lhes serve, que
não lhes disseram que não precisariam ser nada do que não quisessem e ao
contrário, lhes pressionaram a face ameaçando –lhes a integridade por causa de
suas dificuldades e sem piedade lhes tiraram o direito de ter dificuldade e
lhes fizeram maldades e lhes obrigaram a fazer maldades pela crueldade de
imputar o fascismo em quem não imaginaria machucar o outro, e na velada
selvageria lhes disseram : irrecuperável, incurável, levai-o... Assim,
machucado, execrado, dilacerado, julgado, torturado, deixam-no no
canto que lhe sobra o sonho e soçobra as sobras da sociedade produtiva....corpo
louco fugido das amarras do polvo i-mundo... A
selvageria do homem é seu juízo, emérito e congratulado em medalhas de
guerra... Pelos prêmios do que destruiu e matou nos outros, seja o corpo, a
criatividade, a sanidade, o desejo, a poesia ou a veracidade. Logo, chamam-no,
esse outro, de outro, de insano e sem ordem. Todos têm razão. Todos têm juízo.
Não defendo os loucos, mas ataco os que lhes tiraram a sanidade com
eletrochoques de eletricidade ou de tortura psíquica. E falo de quem? Não, não
de mim, não é a mim que defendo...eu escapei por fino talvez por sorte ou por
maleabilidade, não por não ter sofrido o teste do fascismo, talvez por amor ou
por alguma coragem que desconheço a origem, e inseri-me a fui abraçada pelo
polvo e de alguma forma desmembrei seus tentáculos em poesia ou talvez num
texto que se entrega à coerência como quem segue à alguma corte marcial, com
algum corte, mas resignado e aproveitando as ironias do momento em risadinhas
salvas pelo humor. Embora ciente também adquiri modos com chaves e recentemente
algum “modo researcher” (A), talvez algum anticorpo desse corpo de saber que
impinge juízo. Estou bem, aviso: é por compaixão aos desajustados que enuncio. E
depois do desabafo, é preciso voltar ao parágrafo...”.
Para conhecer mais do trabalho autoral de Fran Ferreira, visite seu blog, Volontà:
http://volontah.blogspot.com.br/
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