Antes de qualquer coisa, é fundamental dizer que Daniel Barra é um
agitador cultural que, dentre diversas iniciativas, reuniu em 2010 um grupo de
jovens e então desconhecidos talentos como Tulipa Ruiz, Barbara Eugênia, Roberta
Estrela D'Alva e Luísa Maita para a gravação de um disco emblemático chamado
“Geração SP”. Porém, seu trabalho é anterior e contempla diferentes frentes. De
cantor a DJ, passando por trabalhos como artista performático e visual, Daniel
se redescobre e reinventa maneiras de se expressar a cada submersão nas muitas
possibilidades que a Arte apresenta. Portanto, um artista inquieto e em
constante trânsito pelas diversas possibilidades de criação artística. Sua
entrevista ao Cultura Artfício traz à tona uma questão relevante quanto à sua
forma de trabalhar com a arte, que é através da liberação da necessidade de
ganhar dinheiro com ela. Ou seja, a concepção em sua forma pura, apenas
motivada pela essencialidade de exprimir algo. Escolha que inevitavelmente
implica na realização de outra atividade que lhe provenha o sustento, mas que
ainda assim pode ser, de alguma forma, relacionada ao seu ofício, através da
produção de espetáculos musicais, teatrais e de dança – esta, inclusive, tendo
lhe aberto novos horizontes para se manifestar. No entanto, Daniel Barra se
encontra em um momento de transição entre a produção e o ensino em aulas e
oficinas, trabalho que lhe parece mais apropriado para fazer conexões com os
outros projetos que realiza. Sua inquietação é inspiradora! Os créditos das imagens utilizadas no mural seguem após a entrevista abaixo:
1. Quais os primeiros contatos que você se lembra de ter
tido com a arte como espectador(a)?
Lembro de momentos quando passei a ter
certos interesses por conta própria. Por exemplo, quando passei a ficar curioso
e intrigado com as capas e discos malucos de rock progressivo dos anos 70 que
meu pai tinha. Uriah Heep e Wishbone Ash eram meus favoritos.
2. Qual a sua formação?
Eu comecei a fazer capoeira de fraldas e
hoje sou professor. Inclusive Barra não é meu sobrenome como muitos pensam, vem
de Barra da Saia, apelido que ganhei em 1993, quando cantei pela primeira vez
em uma roda de capoeira. Sou também formado técnico em informática industrial
pela Escola Técnica Federal de São Paulo. Estudei jornalismo na Universidade
Católica de Santos e filosofia na Escola Nômade de Filosofia.
3. Quando e como lhe ocorreu ser artista?
Houve um momento no qual esta foi uma intenção clara ou foi algo que aconteceu?
Lembro-me quando tinha 6 anos, na pré
escola, quando preparei umas coisas em casa para levar para a escola escondido
da minha mãe. Antes da professora entrar na sala eu vesti um kit com óculos,
nariz e bigode de plástico, peguei um lenço do meu pai e fingi que espirrava. A
professora perguntou "quem é você?" quando entrou. Eu respondi:
"Sou o Dr. Atchin!". Todos riram, foi um sucesso. Um ano depois disso
eu queria montar uma banda, cheguei até a separar algumas panelas para a
bateria e juntei alguns integrantes, mas nunca deu certo. Eu era bom em
paródias, cheguei a ganhar uma competição na escola nessa época, colocando
letras especiais em músicas conhecidas. Mas eu considero que só me tornei gente
na época do colegial, a partir de 1996, foi ali que tudo começou pra mim,
oficialmente, digamos. Ali iniciei minhas primeiras bandas de verdade, cantava
e escrevia letras, ouvia música o dia inteiro, fui punk, metaleiro, tive
banda de Blues, eu queria tudo. E ali tive a certeza de que o que queria mesmo
era ser artista.
4. Você pode nos contar um pouco da sua carreira?
Meu caminho de errância e polivalência no
mundo das artes começou com bandinhas de rock na adolescência, passando um
tempo com um belo de um moicano na cabeça espetado com sabão, entre outras
radicalidades de percurso. Em 1999 passei à vida de DJ, raves e
festivais onde também colaborava como jornalista e agitador, escrevendo colunas
e lutando por ações alternativas no cenário. Paralelamente, a partir de 2002
comecei a desenvolver algumas pesquisas musicais e performáticas mais
experimentais, época em que andava com o pessoal do grupo Pedra Branca, então
recém formado. Continuei me apresentando como DJ junto a outros trabalhos até
2010, quando digo que me aposentei deste ofício. Por meados de 2004/2005 entrei
em crise e voltei ao mundo da canção, desgostoso das festas e das poucas
possibilidades. Fiquei esse tempo à deriva até que fui trabalhar com a cantora
Mariana Aydar em 2007 e tentei articular alguma coisa na cena da então música
brasileira contemporânea, quando acabei criando o projeto Geração SP, que
gravou um disco pelo Prêmio Estímulo de Música da Secretaria de Estado da
Cultura, indicando nomes então desconhecidos como Tulipa Ruiz, Barbara Eugênia,
Claudia Dorei e Luiza Maita entre outros. Cansei rápido desse meio e passei a
trabalhar apenas com produção cultural, focado em espetáculos de dança, o que
maravilhosamente me abriu novos horizontes. Hoje em dia meu trabalho artístico
além da música passa pelo campo da performance, dança contemporânea e artes
visuais.
5. Quais artistas lhe influenciaram?
Comecei a listar minhas influências, mas,
na verdade, acho que se tratavam mais de referências. Pergunto-me se minhas
principais influências não são aquelas mais próximas, ou as mais
duradouras. Na dança, por exemplo, os coreógrafos Luis Garay e Marcelo Evelin,
com quem trabalhei, certamente são minha principal influência. Acho que se
alguém ou algum trabalho nos influencia é porque também tem algo nosso ali. Já
na música eu sempre tive a Bjork como referência máxima por ser o ícone maior a
ter uma pesquisa com as músicas pop e experimental, por vir de um início de som
pesado e engajado, e por ser uma artista que canta, extrapolando a noção
estéril de cantora. Porém, desconfio que talvez outros artistas os quais nem
admiro tanto assim tenham me influenciado mais, por terem outras proximidades.
Nesse momento me sinto especialmente influenciado pelo trabalho do Paulo
Nazareth. Somos próximos, tem algo meu ali? Estou tentando descobrir...
6. Quando passou a se considerar
profissional?
Minha vida mudou definitivamente em
setembro de 2001. Eu tinha 20 anos quando estive no festival Trancendence em
Alto Paraíso, Goiás, os bons tempos das raves de Trance. Ali eu tive
contato pela primeira vez com algo que eu buscava, só que não sabia bem o que
era. Encontrei outros modos de vida, maneiras de se relacionar, conhecimentos e
estética. No ano seguinte eu abandonaria Santos para me jogar nesse mundo.
Acabei vivendo daquilo, festas e festivais, atuando como DJ, decorador, músico,
barman, produtor e no que mais pudesse. Ali as coisas de fato começaram.
7. Qual era a ideia que você tinha da
profissão antes de exercê-la?
Eu não tinha essa noção, só sabia que
queria entrar naquele novo universo. Lembro que naquele começo eu dizia o tempo
todo que queria viver em um chillout de forma itinerante e foi o que
acabou acontecendo – foi a sensação de juntar vida e arte em uma coisa só, como
viver em turnê sem ter exatamente uma banda. Durante um tempo nessa vida eu
acabei empregando outros DJs, músicos, clowns, atores e artistas
visuais. Foi a época em que ganhei menos dinheiro (e olha que eu ganho muito
pouco), mas estava realizando um sonho e creio que foi meu primeiro momento
como "profissional", por mais amador que tenha sido.
8. Qual é a ideia que você tem da
profissão hoje que a exerce?
Minha mãe às vezes me pergunta quando é
que eu vou arrumar um emprego normal. E eu sempre respondo que acho que nunca. Conforme
meus interesses vão mudando minha realidade muda junto, eu não aguento muito
mais de 4 anos na mesma cena. Eu vou aos poucos me jogando de cabeça de uma coisa
a outra. Contexto, cena, linguagem. Minha relação com as ideias de
"carreira" e "profissão" se diluem em uma trajetória
camaleônica, muito mais curiosa pela experiência do que preocupada com salários
e resultados. E desde sempre procuro por estratégias para liberar a arte da necessidade
de ganhar dinheiro. Meio hippie demais ou ideológico, talvez. Quanto a isso
sempre estou em crise. Por exemplo, se eu resolvo criar um projeto por conta da
demanda de um edital, já é um motivo para crise e reflexões. Essa é uma questão
que ainda não resolvi...
9. Como é o seu dia de trabalho?
Cada momento e cada trabalho pedem
procedimentos e posturas diferentes. Ultimamente tenho passado mais tempo no
computador do que qualquer outra coisa. Tenho também pesquisado sobre câmeras
de vídeo e de fotografia, tentando me apropriar um pouco mais dessas
linguagens. Estudar pra mim é fundamental, estou sempre com algum texto, áudio
ou filósofo em processo de estudo.
10. Seu trabalho foi beneficiado com a
internet e as redes sociais? Como?
Em 1998 o mundo mudava para alguns de nós
moleques roqueiros de Santos que gravávamos fitas demo de nossas bandas. A Internet
chegava em casa e com ela a transformação. Tivemos então acesso à música
eletrônica, ouvíamos menos metal e mais Ltj Bukem. Ela, de fato, mudou muita
coisa, não só alterou a quantidade de tipos de informação que nos beneficiavam,
mas trouxe também a possibilidade de agregar e colocar em contato pessoas
desconhecidas e distantes, articulando novos agenciamentos. Isso dura até hoje,
e, além disso, me possibilita divulgar meu trabalho, que atinge um numero
intangível de pessoas – o que considero fundamental como estratégia de
autonomia.
11. É possível pagar as contas tendo a
arte como ofício? Como você faz?
No meu caso não. Como disse antes, sempre
foi do meu feitio liberar a arte da necessidade de ganhar dinheiro. Comecei a
trabalhar desde cedo e sempre tive gosto em trabalhar, então meu grande dilema
da vida foi saber que talvez nunca fosse ganhar dinheiro suficiente com minha
arte e portanto teria que descobrir que outro tipo de trabalho me faria sentir
pleno, tranquilo de estar ali para que nas horas vagas eu labutasse em meus
projetos artísticos. Acho que o tipo de trabalho que mais se aproximou dessa
tática foi a produção artística, nos anos em que trabalhei com shows e,
principalmente, com espetáculos de dança e teatro. De alguma maneira eu estava
trabalhando com arte, em um ambiente de arte, respirando aquilo, aquele ar
parado das coxias com um trabalho dinâmico e polivalente, aprendendo segredos
das artes cênicas direto da boca dos diretores. Foi uma grande experiência que
ainda sinto reverberar. Pagou basicamente as contas e acabou me botando no
mundo da dança contemporânea.
12. Como você acredita que será o futuro
da sua profissão?
Meu futuro como profissional já está
acontecendo. Encontro-me em transição, trocando a produção por ministrar aulas.
Foi algo que sempre tive vontade de fazer e que vai acabar se aproximando mais
dos meus projetos atuais. Terei mais facilidade em “linkar” o conteúdo das
aulas e oficinas com os outros projetos. Mais adiante eles acabarão sendo uma
coisa só.
13. Fale sobre o que você gostaria do seu
trabalho, mas nunca lhe perguntam.
Quando tiver velinho serei diretor de filmes pornô! Um novo pornô,
sem dúvidas.
Créditos das imagens utilizadas no mural (em sentido horário):
Imagem 01 - Verena Smit
Imagem 02 - Verena Smit
Imagem 03 - Paulo Bueno
Imagem 04 - Paulo Bueno
Imagem 05 - Verena Smit
Imagem 06 - Verena Smit
Imagem 07 - Ezyê Moleda
Imagem 08 - Verena Smit
Imagem 09 - Nikhil Prem
Imagem 10 - Marcelo Paixão
Imagem 11 - Verena Smit
Imagem 12 - Verena Smit
Para conhecer mais do trabalho de Daniel Barra,
siga-o no Facebook:
E visite sua página no Myspace:
Para ficar atualizado das novidades
do Cultura Artfício, curta nossa página no Facebook:
Ou siga-nos no Twitter:
Nenhum comentário:
Postar um comentário